A importância do açúcar residual no vinho

A importância do açúcar residual no vinho

Você já torceu o nariz ao ver “meio seco” no rótulo de um vinho? Pois saiba que essa classificação nada tem a ver com qualidade, muito menos com açúcar adicionado. Na verdade, ela revela uma das nuances mais fascinantes do mundo do vinho: o açúcar residual.

Imagine a uva no vinhedo, absorvendo a luz do sol e concentrando sua doçura natural. Algumas variedades, como Riesling, Moscato e Gewurztraminer, já nascem com mais açúcar. Outras, cultivadas em regiões quentes, como a ensolarada Califórnia ou o desértico Alentejo, acumulam ainda mais essa doçura.

A doçura do vinho tranquilo é proveniente da frutose e glicose da uva e não pelo acréscimo de açúcar na bebida.

Quando a fermentação começa, as leveduras entram em ação, transformando o açúcar da fruta em álcool. Mas, às vezes, um pouquinho desse açúcar permanece na bebida – e é aí que mora a polêmica. Daí o nome “açúcar residual”.

A quantidade desse açúcar residual é que vai indicar a classificação do vinho: Seco, Meio Seco e Suave. Cada região produtora de vinho do mundo tem sua própria classificação, regulamentada por uma legislação específica. A legislação brasileira, que regula a classificação dos vinhos, determina que um rótulo é seco quando contém até 4 g/L de açúcar. Entre 4,01 e 25 g/L, ele é meio seco. Acima disso, passa a ser considerado suave ou doce.

Essa lei é aplicada a todo e qualquer vinho produzido ou comercializado no Brasil. Isso quer dizer que o vinho elaborado em outro país, quando chega ao Brasil, ganha uma nova rotulagem, para que se enquadre na legislação vigente. Para isso, o vinho é submetido a uma análise química sob supervisão do Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA) e, de acordo com os níveis de açúcar identificados nessa análise, a bebida recebe a classificação atualizada.

Mas essa régua nem sempre traduz a experiência sensorial.

O que torna um vinho meio seco?

Se você já provou um vinho da Califórnia, deve ter sentido aquele toque frutado e levemente adocicado. Isso acontece porque, por lá, o nível de açúcar residual não é medido. Para elaborar o vinho, eles levam em consideração o estilo e sua personalidade, sem um controle rígido do nível de açúcar residual. Resultado? Muitos desses vinhos, quando chegam ao Brasil, acabam rotulados como meio secos.

Já na Europa, a acidez entra na equação. A acidez intensa provoca salivação, o que altera a percepção do açúcar residual. Ou seja, quanto maior a acidez, menor a percepção de dulçor no paladar -isso não altera o nível de açúcar residual, é apenas a percepção. É o caso dos vinhos italianos, que tendem a ter altos níveis de açúcar residual e de acidez.

Como o Amarone della Valpolicella, um clássico tinto italiano que tem o nome inspirado em seu toque amargo (amaro, em italiano), só que, com o açúcar residual acima de 4 g/L, quando chega no Brasil é rotulado como meio seco. Somente por conta da lei.

A importância do açúcar residual no vinho

O açúcar residual é uma das substâncias que dão estrutura ao vinho. Os enólogos utilizam o açúcar residual como recurso para melhorar a qualidade do vinho, pois ele ajuda a enfatizar as características frutadas, além de esconder taninos duros e indesejados. Em equilíbrio com acidez, álcool e taninos, dá a personalidade do vinho. 

O açúcar residual também interfere diretamente na graduação alcoólica. Uvas com menor grau de açúcar, vão gerar vinhos com menos álcool. Quanto maior a concentração de açúcar, maior o teor alcoólico, menor a acidez e maior a percepção de corpo. Por isso, é muito comum os vinhos rotulados como meio seco terem um teor alcóolico acima dos 13,5%.

O desafio dos sentidos

Como você viu, o intervalo da classificação meio seco é muito grande (de 4,01 a 25 g/L), o que faz dessa categoria ter uma enorme variedade de estilos. Então, desafio você a fazer uma degustação sem olhar o rótulo: perceba sua estrutura, seu corpo, seus aromas e sabores. Entenda a proposta do enólogo.

Você irá se surpreender ao descobrir que o açúcar residual, longe de ser um vilão, é um dos responsáveis pelo equilíbrio e personalidade dos grandes vinhos. Tenho certeza de que um novo e delicioso mundo se abrirá à sua frente!

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