Pizza com cerveja: o acordo italiano ideal
Se você quer seguir a tradição italiana na hora de comer uma pizza, peça uma cerveja, ou melhor ainda, um chope! Sim! Sinto muito informar, mas os italianos comem pizza com cerveja na pressão. Diferente do que a gente imagina, ou se prega por aí, italiano não tem o hábito de consumir pizza com vinho. Muito menos, vinho tinto.
Ficou surpreso? Eu também fiquei!
Estudo sobre consumo de pizza com cerveja na Itália
Descobri que italiano como pizza com cerveja quando me mudei para a Itália. Morei lá por seis meses para estudar vinho e o comportamento do consumidor em relação à bebida. Assim que pisei em Roma, jantei uma pizza (é claro!). E o garçom sugeriu um chope. Olhei ao redor, e todo mundo estava tomando cerveja. Aceitei. Alguns dias depois, fui ao Eataly e lá o combo da hora do almoço incluía uma pizza + uma cerveja na pressão. Tomei a cerveja de novo.
Me mudei para Sicília, depois para Bologna e por último para Napoli. Comi pizza em todas as cidades que passei. E sempre a sugestão era cerveja. Chegou uma hora que comecei a analisar e ver que aquilo não poderia ser coincidência. Mas que era alguma tendência comportamental. Como estava em Napoli, terra da pizza, resolvi ir a fundo nessa questão.
Em pesquisa à literatura especializada, descobri que tudo que eu havia escutado sobre a cultura italiana do vinho até aquele momento, estava equivocado. O italiano não tem o costume de harmonizar pizza com vinho. Muito menos em escolher um vinho específico para cada sabor de pizza.
Cerveja: a bebida certa para a acompanhar uma pizza na Itália
A bebida escolhida para acompanhar pizza na Itália é a cerveja. E esse costume está enraizado na história italiana. Na década de 1950, com o boom econômico, o consumo de cerveja aumentou, superando as barreiras impostas pelas medidas fiscais herdadas do regime fascista. Junto com isso, foi promulgada uma lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas acima de 8 graus em pizzarias. Em essência, as pizzarias não podiam vender vinho. Então, bebia-se cerveja por ser uma alternativa à água.
E esse costume se perpetua até hoje. Pesquisas, como a do instituto BVA Doxa, engrossam essa afirmação: apenas 8% dos italianos bebem vinho com pizza. A grande maioria dos italianos, 36%, ao comer uma pizza, escolhe cerveja (o restante é dividido em 40% água e 16% bebidas não alcoólicas, como refrigerante e chá gelado).
Mas e o vinho?
Quando os italianos optam por um vinho para acompanhar a pizza seguem a tradição e bebem um Gragnano ou Lambrusco, ambos frisantes tintos, da região de Napoli e Emilia-Romagna, respectivamente. Agora, quando querem fazer a harmonização enogastronômica, a escolha é por um branco.
Artigos da Fondazione Sommelier d’Italia e de renomados sommeliers, como Giuseppe Vaccarini, ex-presidente da Association de la Sommellerie Internationale (ASI), defendem essa escolha. Estudiosos do tema consideram o vinho branco mais adequado para acompanhar uma pizza, por conta de suas características organolépticas. Descubra os vinhos que combinam com pizza italiana.
Mesmo assim, essa prática não é muito disseminada. Primeiro, por conta da questão cultural, e aqui entra a cerveja e a própria pizza, pois há toda uma tradição que envolve o prato (tem até lei que protege a receita) e depois pelo comportamento do italiano perante o vinho.
Na Itália, e assim como em todo país europeu produtor de vinho, consome-se o vinho da região em que está. Deve encontrar na região o vinho que harmoniza com a pizza e não é necessário buscar um exemplar de fora da região ou de outro país só para criar a combinação. No norte, bebe-se vinho do norte, e no sul, bebe-se vinho do sul.
Na Itália, essa “preferência” pelo produto local deixou de ser uma filosofia social para virar política econômica. Em 2008 tornou-se lei e recebeu o nome de Chilometro Zero. O nome faz referência aos quilômetros que aquele produto viajou para chegar à mesa, ou seja, zero quilômetros. A ideia básica, em essência, é reduzir o impacto ambiental que o transporte de um produto acarreta, além de respeitar, proteger e impulsiona a cultura e história local.
Outro fator importante é o consumo de vinho na Itália. O italiano não bebe tanto vinho quanto se imagina. E isso é uma afirmação embasada em pesquisas de consumo/produção do país, como a realizada anualmente pela OIV. A Itália é o primeiro país do mundo em produção de vinhos (54,8 milhões de hectolitros em 2019), mas é o terceiro em consumo (22,4 milhões de hectolitros em 2019).
Incentivo ao consumo do vinho em pizzarias
Existe uma força conjunta de sommeliers e entusiastas do vinho para levar a bebida às pizzarias. O Consorzio Conegliano Valdobbiadene, que regulamenta a produção de Prosecco, está encabeçando um movimento para incentivar o consumo de espumantes junto com a pizza. Essa iniciativa tem como motivador o comportamento dos consumidores. A pesquisa da BVA Doxa mostra que menos de 40% dos italianos vão à pizzaria. O italiano prefere comer pizza em casa, seja de delivery ou a que a mamma faz. Quando opta por ir à pizzaria é para celebrar alguma data ou acontecimento. Então, mada melhor do que um vinho espumante para brindar esses momentos.
A disseminação da “gourmetização” também está ajudando o vinho a aparecer mais. As pizzarias estão quebrando o tradicionalismo e incluindo novos sabores no cardápio. Com isso, a cerveja já não consegue acompanhar bem tantos sabores e o vinho acaba sendo mais versátil
E há uma tendência de “comportamento saudável” que pode mudar esse cenário e dar mais espaço ao vinho. Os italianos estão percebendo que a associação pizza-cerveja não é tão “confortável”. A cerveja contém leveduras que podem fermentar no estômago junto com a massa. E isso causar muito desconforto. Enquanto o vinho colabora com o processo digestivo.
História da pizza
A pizza surgiu na Idade Média em Napoli para alimentar os pobres. A farinha que sobrava do macarrão era destinada à produção da receita. A massa era aberta ao limite, para que pudesse alimentar mais gente. Por cima era colocado azeite e ervas. O que tinha de mais barato. A bebida que acompanhava era um fermentado de uvas da região. Com o passar dos anos, a receita foi saindo dos becos de Napoli e ganhando adeptos em outras classes sociais. Inclusive a realeza.
Em 1889, os reis italianos Umberto I e Margherita de Savóia em viagem à cidade decidiram provar a iguaria da região, que já tinha certa fama. O pizzaiolo Raffaele Esposito foi o escolhido para produzir a pizza para o casal real. A fim de agradar a realeza, o pizzaiolo cobriu a massa da pizza com ingredientes das cores da bandeira da Itália, tomate, queijo e manjericão, e deu a sua invenção o nome de Margherita, em homenagem rainha. Nem precisamos dizer que a receita fez um super sucesso ne?! Tanto que está nos cardápios de todas as pizzarias mundo a fora!
Atualmente, a Itália possui 183 mil pizzarias, sendo que 8200 estão em Napoli. Dentre as mais famosas está a Da Michele, que ganhou o estrelato depois de ser cenário do filme Comer, Rezar e Amar com Julia Roberts. Na Da Michele não tem vinho. Apenas cerveja long neck Peroni Nastro Azzurro. A fila para conseguir uma mesa é eterna, então o jeito é comer a pizza na calçada mesmo.
O vinho tradicional italiano para a pizza
As pizzarias em Napoli que servem vinho seguem a tradição e oferecem Gragnano, um vinho tinto frizante elaborado na península Sorrentina. O Gragnano foi criado para o povo, para acompanhar a pizza. Elaborado nas colinas da península de Sorrento, a 500 metros do nível do mar, o vinho era transportado em pequenos barris logo após a colheita, ainda em fermentação. Chegavam a Napoli com aromas frescos e uma leve efervescência.
Entre as uvas predominam Piedirosso, Aglianico, mas também encontramos Suppezza, Suppegna, Castagnara, Sciascinoso, Sauca e San Vincenzo. O escritor italiano Mario Soldati descrevia o Gragnano como um Lambrusco com mais corpo ou um Barbera com menos corpo. Entre os produtores de Gragnano destacam-se Salvatore Martusciello, com o Gragnano Ottouve, e Grotta del Sole. Ambos perfeitos para acompanhar a clássica pizza Margherita.
Gragnano no Brasil
Infelizmente, não há nenhum exemplar de Gragnano sendo comercializado no Brasil atualmente. Uma alternativa é o Lambrusco, preferencialmente o seco (mas também é quase impossível encontrar Lambrusco seco no Brasil). Aliás, esse é o escolhido para acompanhar as redondas na região da Emilia-Romagna.
De qualquer forma, deixe esse nome anotado. Caso você vá a Napoli, já sabe que vinho pedir em uma pizzaria.