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António Maçanita e os desafios de produzir vinho no Alentejo

António Maçanita e os desafios de produzir vinho no Alentejo

António Maçanita é um enólogo português que coleciona prêmios e terroirs. Conhecido por sua dedicação em explorar e preservar a diversidade dos terroirs de Portugal, Maçanita tem uma carreira marcada por experiências em diferentes regiões vinícolas do mundo. Atualmente, está produzindo no Douro, Açores, Madeira e Alentejo.

É no Alentejo que está o projeto Fita Preta. Nesta propriedade, ele se empenha em resgatar práticas ancestrais e criar vinhos que representam o terroir alentejano, sem maquiagem. Durante sua recente passagem pelo Brasil, António Maçanita teve a oportunidade de conversar com Paula Daidone sobre os novos rótulos da Fita Preta que chegaram ao país através da importadora Grand Cru.

Entrevista com António Maçanita

Nesta entrevista, Maçanita compartilha insights sobre sua abordagem única para a vinicultura e suas visões para o futuro do Alentejo. Confira a conversa para descobrir mais sobre o trabalho de um enólogo que promete ser o futuro da enologia portuguesa.

Paula Daidone entrevista António Maçanita durante visita do enólogo ao Brasil
Paula Daidone entrevista António Maçanita durante visita do enólogo ao Brasil

Paula Daidone: Você elabora vinho em diferentes regiões. Isso não dificulta a tomada de decisão?
António Maçanita:
Aprendo muito com as regiões onde produzo vinhos, pois cada lugar tem suas particularidades únicas. É fundamental ouvir os antigos, aqueles que conhecem profundamente o terroir, como plantam e podam as videiras, porque são eles que entendem como as uvas se comportam no local. Acredito em olhar para o passado com um sentido crítico, aproveitando o que é útil e deixando de lado o que é puramente místico. Essa combinação de tradição e inovação é essencial para criar vinhos que realmente expressem o caráter da terra.

Paula Daidone: Quais foram as principais influências que moldaram sua abordagem na produção de vinhos?
António Maçanita: Em 1997, comecei minha jornada na enologia quando fui para a faculdade e me apaixonei por essa área. Isso me levou a viajar para a Califórnia, onde passei alguns anos aprendendo e trabalhando em vinícolas. Depois, fui para a Austrália, o que foi uma experiência muito importante, pois lá eles têm uma forma diferente de produzir vinhos, mais moderna em comparação com a escola bordalesa da Califórnia. O mais valioso que aprendi é que existem muitas formas de fazer vinho, e cada vindima é uma nova oportunidade para começar do zero.

Na França, aprofundei meus conhecimentos em enologia, sobre os blends e principalmente sobre as barricas e as tanoarias. Quando voltei para Portugal, em 2004, fui para o Alentejo com o desejo de criar o meu próprio vinho. Inicialmente, misturei castas internacionais e autóctones, mas, a partir de 2008, passei a usar apenas uvas portuguesas. Em 2013, excomunguei a Touriga Nacional, mas hoje reconheço que ela tem seu lugar e motivo para existir. Meu foco agora está nas castas locais e nas técnicas ancestrais.

Paula Daidone: O que você quer dizer com excomungar a Touriga Nacional?
António Maçanita: A Touriga Nacional é uma casta poderosa, mas essa força acabava gerando confusão. Ao cheirar um vinho, não ficava claro sua origem. Mesmo com apenas 10% em um lote, ela domina o vinho, muitas vezes escondendo o terroir do Alentejo e fazendo parecer que estávamos no Douro ou no Dão. Seus aromas intensos frequentemente sobrepõem as características das outras uvas, mascarando a identidade que eu queria expressar. Por isso, decidi excomungar a Touriga Nacional por um tempo.

Foi dessa necessidade de reavaliar essa uva que nasceu o “Touriga Vai Nua”. Minha intenção era criar uma Touriga Nacional “acadêmica”, que capturasse as características que lemos nos livros, preservando os aromas primários e destacando o terroir do Alentejo, mas sem sobrecarregar o lote. 

O resultado é um vinho muito distinto, com aromas que remetem a raspas de laranja, bergamota, pétalas de rosa e zeste de laranja. Engarrafo o vinho apenas três meses após a produção, para preservar essa pureza aromática. Alguns dizem que ele “cheira a Touriga Nacional como se estivesse na cuba”, o que para muitos pode parecer algo negativo, mas para mim, era exatamente o que eu queria: uma Touriga Nacional franca, crua e pura.

Paula Daidone: E qual sua relação com as castas brancas do Alentejo?
António Maçanita:
No Alentejo, temos castas brancas que não são tradicionalmente muito aromáticas e por isso ficaram fora de moda. Muitos produtores tentam manipular esses aromas usando leveduras, mas isso acaba comprometendo a qualidade e a longevidade do vinho. Eu prefiro aceitar essas castas como elas são, valorizando a capacidade que elas têm de refletir o terroir de onde vêm.

Nas minhas vinhas, tudo é cultivado sem rega, apenas com água da chuva e subterrânea, e a produção é totalmente biológica. A vindima é feita à noite, as uvas passam por uma máquina seletora, com cinco pessoas de cada lado. Temos música e cerveja, um ambiente relaxado. A tranquilidade das pessoas é fundamental para que possam fazer as melhores escolhas.

No caso do Fita Preta Branco, por exemplo, utilizo a técnica da “Presa direta”, onde os cachos inteiros são prensados suavemente, e o primeiro suco que sai é o que utilizamos. Antes da fermentação, que acontece de forma espontânea, esse suco é oxidado e adquire uma coloração castanha. As uvas possuem um mecanismo de autolimpeza natural, o que significa que oxidamos não o mosto, mas as proteínas e taninos, que se ligam e precipitam, eliminando a necessidade de sulfitos, bentonite ou argila. Só usamos sulfito no final da fermentação para proteger o vinho. Esse processo é similar ao que se faz no Mosel e em Jerez, e acredito que todos os brancos deveriam ser assim.

Paula Daidone: Como a escolha entre fermentação espontânea e inoculada afeta o perfil dos seus vinhos?
António Maçanita: A fermentação espontânea é uma prática que valorizo muito, pois ela permite que o vinho expresse a sua verdadeira origem. Se o resultado final se assemelha ao cheiro da fermentação, então eu considero que falhei. A fermentação espontânea leva de 3 a 6 meses, e durante esse período, o vinho permanece em contato com as borras por mais tempo, o que pode deixá-lo turvo. Esse processo reduz a influência do CO2 na variação dos aromas e o impacto da temperatura é menor, pois não usamos aditivos nem sulfito durante essa fase.

Utilizo leveduras de vinhedos antigos, que possuem uma flora mais rica, resultando em vinhos mais estruturados e complexos. Já a fermentação inoculada, que ocorre a 20 graus e leva de 15 a 30 dias, tende a produzir vinhos mais limpos e controlados, mas pode não capturar a essência do local da mesma forma. O que realmente importa para mim é a expressão do terroir, e a técnica deve servir para revelar essa autenticidade, não para sobrepor a identidade do vinho.

Paula Daidone: Como você vê o futuro do Alentejo diante das mudanças climáticas?
António Maçanita
: O aumento da temperatura e a falta de água são desafios reais. Muitos produtores têm buscado regiões costeiras em busca de frescor, mas acredito que a verdadeira solução está em aprender com o passado. Resgatar as castas antigas e os fenótipos mais resistentes será crucial para a adaptação do Alentejo às mudanças climáticas.

Antigamente, as vinhas do Alentejo, por volta de 1870, produziam vinhos com menos de 11% de álcool, com pouca cor e maior acidez. No entanto, com o tempo, os viticultores adotaram sistemas de espaldeira alta para captar mais sol e selecionaram clones que resultavam em vinhos com maior teor alcoólico. Hoje, é difícil encontrar um vinho do Alentejo com menos de 15% de álcool.

Diante do aquecimento global, precisamos reavaliar e resgatar essas castas e técnicas antigas, que estão mais alinhadas com as necessidades climáticas atuais. Ao fazer isso, acredito que poderemos não apenas preservar, mas até melhorar a qualidade dos vinhos do Alentejo, mesmo em face das mudanças que estão por vir.

Paula Daidone: Qual é a mensagem que você quer passar com os seus vinhos?
António Maçanita
: Quero que as pessoas fiquem na dúvida quando provarem os meus vinhos, porque não é a técnica que importa. O que realmente importa é o resultado final e como ele reflete o terroir de onde vem. Estou sempre em busca da autenticidade do Alentejo, e se alguém sentir cheiro de fermentação, da talha ou da barrica, então eu falhei. O vinho é sobre o local, sobre capturar a essência do Alentejo. Pois o que importa não é a técnica, mas sim o conjunto de técnicas que chagam ao resultado. O que importa, na verdade, é que a pessoa sente quando bebe meu vinho.

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