Francisca Muñiz: o protagonismo feminino no vinho

Em uma indústria tradicionalmente dominada por homens, Francisca Muñiz se destaca como uma das líderes mais respeitadas na vinicultura. Com 20 anos de experiência e uma carreira consolidada, ela é a atual diretora de Marketing Corporativo da Viña Santa Rita, uma das vinícolas mais renomadas do Chile.
Engenheira comercial e especialista em marcas de luxo, Francisca tem uma vasta trajetória, passando por posições de destaque como diretora de marketing na Viña Concha y Toro e Viña Don Melchor, além de ter sido gerente global de marca da Casillero del Diablo.
Em uma entrevista exclusiva conduzida por Thamy Laiz, sommelière do Reserva85, durante um evento para a imprensa, Francisca compartilhou suas experiências e refletiu sobre a crescente participação feminina no mercado de vinhos, as transformações no setor e a contribuição da Viña Santa Rita para um ambiente mais inclusivo.
Entrevista com Francisca Muñiz, Gerente de Marketing Corporativo da Viña Santa Rita
A indústria do vinho é tradicionalmente dominada por homens. Quais desafios enfrentou como mulher até se tornar diretora na Viña Santa Rita?
Trabalho na indústria do vinho há 20 anos, comecei bem debaixo e passei por diversas funções e áreas. Durante minha trajetória, tive chefes e colegas majoritariamente homens, o que reflete a predominância masculina desse setor. Não foi um caminho fácil. Quando comecei, era necessário se impor um pouco, levantar a voz, principalmente porque o setor agrícola era muito masculino. O campo, em sua essência, sempre foi dominado por homens, e as vinícolas também eram predominantemente compostas por uma equipe masculina. Porém, isso tem mudado com o tempo. Hoje, vejo que a participação feminina cresceu bastante, embora, talvez, ainda não em todas as áreas, especialmente nas mais comerciais. Hoje, sinto que não é mais preciso elevar a voz para que nossa contribuição seja reconhecida.
Francisca Muñiz, como você vê a presença feminina nos dias atuais na indústria do vinho?
A presença feminina na indústria do vinho tem ganhado cada vez mais força, especialmente no setor industrial, onde vemos mulheres assumindo posições de destaque. No entanto, quando se trata de exportações, a realidade ainda é um pouco diferente. Nesse campo, as mulheres ainda são minoria, em grande parte devido às exigências de viagens frequentes.
Quando participo de convenções e eventos de vendas, como nos Estados Unidos, por exemplo, é comum estar cercada por 50 homens e ser a única mulher. No entanto, vejo isso de forma positiva. Ser a única mulher em um jantar ou evento pode chamar a atenção de maneira positiva, ajudando a conquistar respeito e facilitando a construção de relacionamentos.
Porém, o cenário tem mudado, e hoje as mulheres estão mais empoderadas e independentes do que nunca. Nossas enólogas, por exemplo, viajam constantemente e conseguem conciliar a vida profissional e pessoal. Equilibram suas carreiras com a maternidade. Esse novo protagonismo feminino é uma prova de que é possível ter sucesso em ambas as esferas, sem abrir mão de nenhum dos papéis.
Você percebe alguma mudança recente na indústria em termos de inclusão e diversidade de gênero?
Francisca Muñiz: Sim! Hoje em dia as grandes empresas têm políticas, e no país também existem políticas de inclusão e equidade de gênero. Viña Carmen e Viña Santa Rita não são exceções. Monitoramos constantemente os indicadores, e embora ainda seja um setor majoritariamente masculino, esse número está crescendo. Nos preocupamos para que, em todos os processos, haja mulheres. Sempre que há uma seleção, é importante garantir que tenha uma mulher, de forma a forçar um pouco e equilibrar as oportunidades. Estamos convencidos de que os talentos são os mesmos. A presença feminina contribui com uma visão construtiva e diferente. Se todos os integrantes fossem homens com a mesma perspectiva, a conversa não seria tão rica. No campo, que antes era completamente masculino, até se acreditava que era azar ter mulheres na bodega, mas hoje em dia temos mulheres fazendo todo tipo de trabalho, desde o laboratório até as vinícolas. Temos uma mulher, por exemplo, que lidera o setor de barricas na nossa vinícola.

Como a Viña Santa Rita contribui para este cenário?
Em nossa vinícola a equipe de vinificação é totalmente equilibrada entre homens e mulheres, o que considero uma grande conquista. Grandes nomes como Teresita Valle, que se destacou como enóloga revelação, e Anita Cumsille Carmen, reconhecida como uma das principais enólogas do Chile no ano passado, são exemplos dessa transformação. Atualmente, temos muitas mulheres trabalhando no campo e nas adegas em diversas vinícolas, algo impensável quando comecei, quando a maior parte das equipes era formada por homens.
Temos também uma parceria com a Frida Kahlo Corp, somos parceiros oficiais e representantes da marca para vinhos. A escolha dessa aliança tem um significado especial, pois Frida Kahlo foi uma mulher extremamente empoderada e revolucionária para sua época. Acreditamos que a sua história se conecta perfeitamente com a nossa identidade. Ela foi uma mulher que superou grandes adversidades e, mesmo assim, se reinventou e se tornou a artista mais reconhecida da sua geração. Dessa parceria nasceu uma linha de vinhos inspirada em Frida Kahlo, voltada, principalmente, para mulheres mais jovens que estão começando a consumir vinho e se identificam com o empoderamento feminino que a imagem de Frida reflete. O sucesso dessa linha tem sido global.
Como você vê a mudança no consumo de vinho em relação ao público feminino?
Há três anos, o consumo de vinho no Brasil era predominantemente masculino, mas isso mudou consideravelmente. Hoje, o público feminino tem uma participação muito maior, tanto como consumidoras quanto como compradoras. Esse aumento no envolvimento das mulheres com o consumo de vinho torna ainda mais relevante a perspectiva feminina no mercado. Atualmente, a divisão entre homens e mulheres está quase equilibrada, No entanto, o crescimento do público feminino é claramente perceptível e destaca a importância da presença e da contribuição das mulheres nesse cenário. Esses dados são bastante interessantes e mostram como a indústria do vinho está se transformando.
Como a sensibilidade feminina contribui para o setor do vinho?
Francisca Muñiz: O vinho é um produto profundamente sensorial, e acredito que as mulheres possuem uma sensibilidade única, especialmente no que diz respeito aos detalhes e às vivências que ele proporciona. Para mim, o vinho sempre foi mais do que uma bebida; é uma história. As mulheres têm um talento natural para contar essas histórias e para reunir as pessoas ao redor de uma mesa, criando uma experiência ainda mais rica. Nós prestamos atenção aos pequenos detalhes, como na harmonização, o que acrescenta valor à experiência de degustação.
A presença feminina certamente tem um impacto positivo. Ela ajuda a equilibrar as conversas e oferece novas perspectivas. A contribuição feminina no setor do vinho está justamente em entender as diferenças e reconhecer que todos têm algo a acrescentar.
Acredito que não é necessário ser ‘mais forte’ do que os outros para fazer a diferença. Cada pessoa, com sua energia e visão, contribui de forma única. O segredo é equilibrar as energias masculinas e femininas, criando uma experiência mais completa e enriquecedora para todos.
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