Sebastián Ruiz: a biodiversidade como estratégia para enfrentar as mudanças climáticas

Sebastián Ruiz: a biodiversidade como estratégia para enfrentar as mudanças climáticas

Sebastián Ruiz, enólogo chefe da Viña Tarapacá, tem sido uma figura chave na história da vinícola, que celebra 150 anos de tradição. Com 32 anos de carreira dedicados à viticultura, sendo 30 deles à frente da Tarapacá, ele tem se destacado por sua abordagem técnica e por um forte compromisso com o respeito à natureza.

Esse compromisso é o que pauta sua visão sobre o futuro da viticultura, especialmente diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Sebastián acredita que a preservação da biodiversidade é a chave para manter a qualidade e a personalidade dos vinhos da vinícola, protegendo as vinhas dos impactos ambientais e garantindo uma produção sustentável a longo prazo.

Durante sua visita ao Brasil, para as celebrações dos 150 anos da Viña Tarapacá, Sebastián compartilhou com Paula Daidone os desafios que a vinícola enfrenta em relação ao clima, além das estratégias adotadas para enfrentar um cenário cada vez mais imprevisível. Ele também enfatizou a importância da biodiversidade, não apenas para a preservação ambiental, mas para a continuidade e evolução da viticultura.

Entrevista Sebastián Ruiz, enólogo chefe da Viña Tarapacá

Paula Daidone: Você tem observado um impacto direto nas colheitas e em seu trabalho como viticultor devido às mudanças climáticas?
Sebastián Ruiz: Nos últimos 10 anos, as condições meteorológicas variaram significativamente de um ano para o outro. Alguns anos foram muito quentes, outros chuvosos, o que torna cada colheita um grande desafio. Antes, eu sabia o que esperar; hoje, tudo está mais instável. E isso é reflexo das mudanças climáticas, que tornam o trabalho na viticultura cada vez mais imprevisível.

Paula Daidone: Quais estratégias você acredita que podem ser adotadas para enfrentar as mudanças climáticas e seus impactos na viticultura?
Sebastián Ruiz:
Acredito que a ferramenta mais poderosa para frear, editar e mitigar essas mudanças é a biodiversidade. Existe um conceito chamado serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que a natureza e a biodiversidade nos oferecem, disponíveis para uso e exploração pelos seres humanos. Quando intervenho em um ambiente e causo danos à biodiversidade, o local perde sua capacidade de se proteger das mudanças climáticas ou de qualquer outro impacto, sofrendo muito com isso. Por outro lado, quando há biodiversidade — quando há água, flores, árvores — essas elementos naturais são capazes de neutralizar o aumento da temperatura, devido aos serviços ecossistêmicos, como o ciclo do nitrogênio, o ciclo do fósforo, o ciclo da água e a atividade no solo. A Tarapacá tem feito um esforço muito grande para recuperar e conservar a biodiversidade.

Respeitar a natureza já ajudaria muito né?
O que realmente percebo é que as pessoas ainda não têm plena consciência do que está acontecendo. Há 15 anos, minhas colheitas eram muito tranquilas e semelhantes entre si, mas nos últimos anos, nenhuma tem sido igual à outra. Isso é triste, e é um reflexo claro das mudanças climáticas. Como mencionei, a biodiversidade é uma ferramenta poderosa para ajudar a desacelerar e mitigar os impactos negativos das mudanças climáticas.

As mudanças climáticas são um tema que lhe preocupa particularmente? Como enólogo, você se preocupa com a evolução dos vinhos nos próximos anos e com o impacto disso no seu trabalho com a terra?
Sim, muito. Mas o que acontece é que eu trabalho na Viña Tarapacá, que faz parte do grupo VSP e um dos pilares desse grupo é a produção sustentável. E isso vai muito além de palavras, sendo demonstrado através de ações concretas. Utilizamos painéis solares, irrigação por gotejamento e aproveitamos ao máximo a luz natural nas adegas. Nosso objetivo é tornar a produção o mais sustentável possível. Uma das formas de promover essa sustentabilidade é através do uso da biodiversidade. Acreditamos que a biodiversidade não só favorece o ecossistema, mas também beneficia a qualidade do vinho. Ela nos permite ter vinhedos mais saudáveis, o que, por sua vez, resulta em uvas de melhor qualidade. Além disso, no mundo do vinho, existe um conceito amplamente discutido: o ‘senso de lugar’, que se refere ao caráter e à personalidade do vinho. Através da biodiversidade, conseguimos gerar um maior senso de lugar. Ou seja, com a biodiversidade, além de garantir vinhedos mais saudáveis, também conseguimos uma expressão mais autêntica do nosso terroir.

Sebastián Ruiz, enólogo chefe da Viña Tarapacá
Paula Daidone entrevista Sebastián Ruiz, enólogo chefe da Viña Tarapacá

Você pode explicar um pouco mais sobre o conceito de cultivo sustentável?
A agricultura sustentável vai além do manejo orgânico, englobando também o manejo dos recursos hídricos, o controle integrado e inteligente de pragas e doenças, o cuidado com o solo, e a gestão da flora e fauna. Prefiro falar sobre agricultura sustentável, porque, na minha visão, agricultura orgânica não implica necessariamente em sustentabilidade. Não estou dizendo que não seja importante, mas sustentabilidade, em minha opinião, é um conceito muito mais amplo. Para mim, a definição de sustentabilidade é a prática que garante que, o que fazemos hoje, manterá os recursos disponíveis por 20 ou 30 anos, sem esgotá-los. É como dizer: ‘Meus filhos, daqui a 30 anos, verão o que vejo hoje, porque estou fazendo um uso sustentável dos recursos desse lugar.’ É por isso que gosto tanto de falar sobre sustentabilidade.

Você acredita que algumas variedades de uvas são mais adaptáveis às mudanças climáticas do que outras?
Parece-me que a Carménère tem um pouco mais de tolerância ao calor. Porém, o que é realmente fascinante é que a Vitis vinifera é uma espécie muito nobre. Por exemplo, se você tem uma plantação de cerejas e chove duas vezes antes da colheita, provavelmente você não conseguirá exportar nenhuma cereja, porque as frutas são extremamente delicadas. Já a videira é uma planta muito resistente e resiliente, que deseja seguir em frente, independentemente das condições. Isso é muito interessante: essa resiliência e capacidade de adaptação. E é aí que, como técnico, entro em cena. Conhecendo essa resiliência, consigo entender como o ano será refletido nas uvas e, assim, faço o melhor vinho possível. O comportamento da Vitis vinifera em relação às mudanças climáticas é realmente muito interessante. Ela prospera em diversos climas — seja em clima frio, quente, mediterrâneo, com pouca água ou com muita água — sempre há uma maneira dela se expressar e produzir. Isso é, sem dúvida, incrível.

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