Viúva Clicquot e as mulheres de Champagne
As mulheres de Champagne foram à frente de seu tempo, que mesmo obrigadas a se manterem longe do mundo empresarial, romperam barreiras e se emanciparam. Deram à história exemplo de liderança e ao vinho, inovação. Dois nomes têm destaque: Barbe-Nicole Ponsardin, a famosa Viuva Clicquot, e Louise Pommery. Contemporâneas, as duas perderam o marido precocemente e se viram sozinhas, com filhos para sustentar. A saída, arregaçar as mangas e assumir os negócios da família. Tudo isso, em pleno século XIX, onde mulheres não tinham direitos e muito menos educação formal para os negócios.
Viuva Clicquot e os espumantes límpidos
Um dos maiores feitos das mulheres de Champagne foi a criação da Remuage, em 1818. Técnica que dá ao vinho espumante um visual claro e límpido. A responsável por essa inovação foi Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin, herdeira da Veuve Clicquot Ponsardin, que não gostava do aspecto turvo e cheio de sedimentos que o vinho da época apresentava.
Com o falecimento de seu marido, em 1805, Barbe-Nicole assumiu a produção e passou a ser conhecida como Veuve Clicquot, ou seja, a Viúva Clicquot. Madame Clicquot dedicou-se a encontrar uma forma de coletar esses sedimentos e retirá-los da garrafa. Depois de muitos experimentos, ela percebeu que ao girar a garrafa os sedimentos se desprendiam e então era possível direcioná-los para o pescoço do vasilhame.
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Foi então que Barbe-Nicole fez buracos em ângulo na mesa de sua cozinha e encaixou os frascos de ponta cabeça, em 45º. Todos os dias, durante seis a oito semanas, as garrafas eram giradas em um quarto de volta. As borras gradualmente se acomodaram no gargalo da garrafa. Quando o depósito acontecia, era realizado o dégorgement a la volée, que consistia em retirar simultaneamente a tampa e o depósito em um único movimento manual. Com essa técnica, o champanhe ficou cristalino.
A Table de Remuage (ou mesa de Remuage, em português) foi uma revolução no mercado do vinho – a técnica é utilizada até os dias de hoje, agora de forma mecânica. Também é creditado a ela a invenção do primeiro Champagne Vintage, ou seja, safrado, e junto disso, o “nascimento” do marketing de vinhos.
Após adquirir 300 hectares dos melhores crus, Barbe-Nicole produziu um vinho com uvas colhidas no ano de 1810 e lançou ao mercado com essa indicação. Até então, os vinhos eram elaborados com uvas de diferentes anos e não havia distinção para isso. No ano seguinte, um cometa foi avistado no céu, e Viúva Clicquot proferiu que aquilo era o sinal de mais uma safra excelente.
O boato viralizou e tornou-se uma ação de vendas para a maison, que apelidou a sua produção de le vin de la comète. Então, as rolhas daquele ano foram marcadas com uma estrela junto com as iniciais VCP. A identificação funcionou e a empresa aprimorou a comunicação visual. Em 1876, desenvolveu o seu próprio Brut e criou um rótulo amarelo, para diferenciá-los de seu champagne doce, que tinha rótulos brancos, e também se destacar de seus concorrentes. Com o passar dos anos, o famoso Yellow Label tornou-se objeto de desejo mundo afora.
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Madame Pommery e o champagne Brut
Outro grande inovação realizada por uma mulheres de Champagne foi a criação do champagne Brut. Até 1874, os vinhos espumantes produzidos na região eram doces, com o teor de açúcar semelhante ao do vinho de sobremesa. Não havia classificação por dosagem de açúcar que conhecemos hoje.
Essa modificação na composição do espumante foi feita por Louise Pommery, quando herdou a Maison Pommery, em 1860, após a morte de seu marido. Atenta às preferências do mercado inglês, o maior comprador dos vinhos de Champagne na época, Louise começou a elaborar espumantes secos. Mas descobriu no meio do processo que tirar o açúcar poderia ser muito arriscado, pois era necessário deixar as uvas na videira por mais tempo para amadurecer com uma doçura natural. Mas o clima na região não era favorável e por isso era comum entre os produtores adicionar grandes quantidades de açúcar (até 300g de açúcar por litro) para disfarçar as uvas prematuras.
A inovação não foi bem aceita pelos clientes de Madame Pommery que rejeitaram seus primeiros anos de Brut. Mas ela persistiu e aprimorou seu produto. Até que a safra de 1874 se revelou exuberante e Louise lançou um Brut que consagrou a maison. A bebida caiu no gosto dos ingleses que a imortalizaram em uma canção popular chamada Ode to Pommery!
Louise Pommery mudou o gosto do mundo por espumantes secos. Sua ousadia tornou a Pommery uma das mais bem sucedidas casas de champagne. Além de servir como exemplo para outras maison criarem espumantes com diferentes níveis de açúcar. A empresária também foi uma das primeiras na França a oferecer planos de saúde e de aposentadoria para os funcionários. Atitude que transformou a relação empresarial no país.
Outras mulheres de Champagne brilhantes
Ainda no século XIX, Adèle Jouët fundou com seu marido Pierre-Nicolas Perrier, a casa Perrier-Jouët, em 1811. Acometido pela tuberculose, Perrier deixou Adeèle à frente da empresa. A partir de então, o futuro da maison foi moldado por escolhas audaciosas, a começar pela decisão de fazer da uva Chardonnay a assinatura da casa, sendo pioneira no enigmático estilo floral pelo qual seus champanhes são reconhecidos em todo o mundo.
Atualmente, a Maison continua tendo uma mulher como responsável por suas criações: Severine Frerson. A primeira mulher na história da Perrier-Jouët a ser nomeada chef de cave, em mais de duzentos anos de existência da maison. Severine assumiu o cargo em novembro de 2020, após passar dez anos como chef de cave da Piper-Heidsieck.
Já no século XX, Lily Bollinger seguiu os passos de suas destemidas antecessoras. Assim como Clicquot e Pommery, Madame Bolinger ficou viúva em 1941 e precisou tomar as rédeas da empresa da família, a Bollinger Champagne. Na época, os vinhos de Champagnes seguiam normas de produção, entre elas, o tempo mínimo de conto do líquido com as borras na segunda fermentação: 15 meses para os não safrados (sendo 12 em sur lie) e 36 meses para os safrados. Mas Lily foi além e deixou parte de sua produção descansando nas caves por 12 anos. Quando fez o degorgement, provou sua criação e percebeu que quanto mais cedo se bebe o champagne após ser degogermado, mais frescos os aromas complexos aparecerão. Em 1961 criou uma nova categoria de espumantes, os Récemment Dégorgé (R.D.). Os rótulos foram os primeiros na história a conter a data do degorgement.
Madame Bollinger também foi uma das mulheres de Champagne de muita importância na história da região. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas ocuparam Champagne e ela era obrigada a fornecer regularmente vinho de graça para os alemães. Em 11 de agosto de 1944, entretanto, a cidade de Aÿ, onde Bollinger está localizada, foi bombardeada e parcialmente destruída. Madame Bollinger abriu seus porões para abrigar os aldeões. Ela também preparou os funerais das vítimas. Isso lhe rendeu ainda mais respeito na aldeia.
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Hoje, graças a essas corajosas mulheres de Champagne, a lista de nomes femininos ocupando cargos de respeito dentro de grandes empresas só cresce. E essas histórias de sucesso, mas antes de tudo, de superação, devem servir de inspiração para todas nós. Pois não importa a época, a situação ou o problema, somos fortes o suficiente para continuarmos a seguir em frente!
Um brinde a nós! 🥂